Fusão nuclear: cientistas anunciam avanço em busca de fonte limpa de energia
Cientistas europeus dizem ter feito um grande avanço em sua busca para desenvolver a fusão nuclear — o mesmo processo de energia que alimenta as estrelas.
O laboratório JET, com sede no Reino Unido, quebrou seu próprio recorde mundial de quantidade de energia que consegue extrair espremendo duas formas de hidrogênio.
Se a fusão nuclear puder ser recriada com sucesso na Terra, isso terá o potencial de gerar quantias virtualmente ilimitadas de energia de baixo carbono e baixa radiação.
Os experimentos produziram 59 megajoules de energia em cinco segundos (11 megawatts de potência).
Não é uma grande geração de energia — apenas o suficiente para ferver cerca de 60 chaleiras de água.
Mas o experimento é a base para um reator de fusão ainda maior que está sendo construído na França.
O que é a fusão nuclear, que promete ser a energia limpa que o mundo procura
"Os experimentos do JET nos colocaram um passo mais perto da energia de fusão", disse Joe Milnes, chefe de operações do laboratório do reator. "Nós demonstramos que podemos criar uma mini estrela dentro de nossa máquina e mantê-la lá por cinco segundos e obter alto desempenho, o que realmente nos leva a um novo patamar."
O projeto ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor, ou Reator Experimental Termonuclear Internacional), no sul da França, é apoiado por um consórcio de governos, incluindo Estados Unidos, China, Rússia e membros da União Europeia. Espera-se que esse seja o último passo para provar que a fusão nuclear poderá fornecer energia confiável na segunda metade deste século.
Usinas de energia do futuro com base na fusão não gerariam gases de efeito estufa e apenas quantidades muito pequenas de resíduos radioativos de curta duração.
"Esses experimentos que acabamos de concluir precisavam dar certo", disse o CEO da JET, Ian Chapman. "Se eles não tivessem dado certo, teríamos preocupações reais sobre se o ITER poderia atingir seus objetivos."
"Isso foi algo de alto risco e o fato de termos conseguido foi devido ao brilhantismo das pessoas e a confiança delas na busca científica", disse ele à BBC News.
A fusão funciona com base no princípio de que a energia pode ser liberada forçando núcleos atômicos uns contra os outros em vez de dividi-los, como no caso das reações de fissão que geram energia nas usinas nucleares atuais.
No núcleo do Sol, enormes pressões gravitacionais permitem que isso aconteça a temperaturas de cerca de 10 milhões de graus Celsius. Nas pressões muito mais baixas que na Terra, as temperaturas para produzir a fusão precisam ser muito mais altas — acima de 100 milhões de graus Celsius.
Não existem materiais que possam resistir ao contato direto com esse calor. Para conseguir a fusão em um laboratório, os cientistas criaram uma solução na qual um gás superaquecido, ou plasma, é mantido dentro de um campo magnético em forma de rosquinha.
A Joint European Torus (JET), localizada em Culham, Oxfordshire, é pioneira nessa abordagem de fusão há quase 40 anos. E, nos últimos 10 anos, o equipamento foi configurado para replicar a configuração do ITER.
O anúncio da fusão é uma ótima notícia, mas infelizmente não ajudará em nossa luta para diminuir os efeitos das mudanças climáticas.
Há uma enorme incerteza sobre quando a energia de fusão será viável comercialmente. Uma estimativa sugere que ainda pode demorar 20 anos para isso. E, depois disso, ela ainda precisaria ser aperfeiçoada, o que significa um atraso de mais algumas décadas.
E aqui está o problema: a necessidade de energia livre de carbono é urgente — e o governo prometeu que toda a eletricidade no Reino Unido terá emissões zero até 2035. Isso significa mais energias nuclear e renovável, e mais armazenamento de energia.
Nas palavras do meu colega, o jornalista Jon Amos: "A fusão não é uma solução para nos levar a emissões zero em 2050. Esta é uma solução para a sociedade da segunda metade deste século."
Presentational grey line
O "combustível" preferido do laboratório francês para fazer o plasma é uma mistura de duas formas, ou isótopos, de hidrogênio chamados deutério e trítio.
O JET precisou achar um revestimento para o vaso toroidal de 80 metros cúbicos que abriga o campo magnético que funcionaria eficientemente com esses isótopos.
Para os experimentos de 1997, o JET usou carbono, mas a substância absorve trítio, que é radioativo. Assim, para os testes mais recentes, novos revestimentos foram construídos com os metais berílio e tungstênio, que são 10 vezes menos absorventes.
A equipe científica do JET precisou ajustar seu plasma para funcionar nesse novo ambiente.
Como é o poderoso 'sol artificial' com que a China espera gerar energia limpa
"Este é um resultado impressionante porque eles conseguiram demonstrar a maior quantidade de produção de energia das reações de fusão de qualquer dispositivo na história", comentou Arthur Turrell, autor de The Star Builders: Nuclear Fusion And The Race To Power The Planet.
"É um marco porque eles demonstraram a estabilidade do plasma em cinco segundos. Isso não parece muito tempo, mas em uma escala de tempo nuclear, é um tempo muito, muito longo. E é muito fácil ir de cinco segundos para cinco minutos para cinco horas ou até mais."
O presidente francês François Mitterrand e a rainha Elizabeth 2ª abriram formalmente o JET em 1984
O JET não pode mais funcionar porque seus eletroímãs de cobre ficam muito quentes. Para o ITER, serão usados ímãs supercondutores resfriados internamente.
As reações de fusão no laboratório são famosos por consumir mais energia para dar partida do que podem produzir. No JET, duas rodas de 500 megawatts são usadas para executar os experimentos.
Mas há evidências sólidas de que esse déficit pode ser superado no futuro na medida em que os plasmas forem ampliados. O volume do vaso toroidal do ITER será 10 vezes maior do que o do JET.
Esta é uma maratona longa e é importante que, dos cerca de 300 cientistas que trabalham como JET, um quarto esteja no início de suas carreiras. Eles terão que levar adiante o bastão da pesquisa.
"A fusão leva muito tempo, é complexa, é difícil", disse Athina Kappatou, tem 30 e poucos anos. "É por isso que temos que garantir que, de uma geração para a outra, haja cientistas, engenheiros e equipe técnica que possam levar as coisas adiante".
Muitos desafios técnicos ainda existem. Na Europa, esses desafios estão sendo trabalhados pelo consórcio Eurofusion, que compreende cerca de 5 mil especialistas em ciência e engenharia de toda a União Europeia, Suíça e Ucrânia.
O Reino Unido também participa. Seu envolvimento total no ITER, no entanto, exigirá primeiro que o país se "associe" a certos programas científicos da UE, algo que até agora foi impedido por divergências sobre acordos comerciais pós-Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), particularmente em relação à Irlanda do Norte.
É provável que o JET seja desativado após 2023, com o ITER iniciando os experimentos de plasma em 2025, ou logo depois.
O reator ITER está em construção em Cadarache, no sul da França
O que é a fusão nuclear, que promete ser a energia limpa que o mundo procura
O sistema de compressão do reator da General Fusion tem enormes pistolas de pressão
A fusão é o mesmo processo que acontece no Sol, e exige calor e pressão extremos, sendo muito mais difícil de controlar do que a fissão.
Mas o processo não gera o lixo radioativo produzido pelos reatores de fissão, que é um dos principais problemas atravancando o uso de energiar nuclear atualmente. A fissão também é um método muito caro e gera preocupações quanto à segurança e à proliferação de armas.
O que é exatamente a fusão nuclear
A fusão é o processo que ocorre no Sol continuamente, responsável pelo seu calor e sua luz.
A cada segundo, bilhões de toneladas de átomos de hidrogênio colidem uns com os outros em condições de temperatura e pressão extrema dentro de nossa estrela. Isso os força a quebrar suas ligações químicas e se fundirem, formando um elemento mais pesado, o hélio.
Essa base no sul da França quer ter seu primeiro plasma produzido em 2025
A fusão solar gera quantidades enormes de calor e luz.
Por décadas pesquisadores vêm tentanto replicar esse processo na Terra, produzir "um sol na caixa", como dizem alguns físicos. A ideia é pegar certo tipo de gás de hidrogênio, aquecê-lo a mais de 100 milhões de graus Celsius até formar uma nuvem de plasma, e controlá-lo com um poderoso campo magnético até que os átomos se fundam e liberem energia.
Potencialmente, a energia da fusão nuclear é muito limpa: não gera CO² como subproduto, não gera lixo tóxico (já que o resultado da reação é o hélio, que não é radioativo), não gera riscos de explosão.
Mas até agora a tecnologia para obter energia através do processo ainda não existe.
Para tentar desenvolvê-la, diversos países concentraram seus esforços em projeto de cooperação internacional chamado Iter.
Perspectiva artística de uma reação de fusão nuclear
Grande avanço ou elefante branco?
Trinta e cinco países participam do projeto Iter, que no momento está construindo um reator de teste gigante no sul da França.
O plano é ter o primeiro plasma produzido em 2025. No entanto, da produção do plasma até a obtenção de energia ainda há um longo caminho.
O projeto também foi prejudicado por longos atrasos e estouros no orçamento que fazem com que seja improvável que haja uma usina nuclear de fusão até 2050.
"O que estamos fazendo é desafiar as fronteiras do que é conhecido no mundo da tecnologia", diz o físico Ian Chapman, presidente da Agência Britânica de Energia Atômica. "E é claro que você encontra obstáculos e precisa superá-los, o que fazemos o tempo todo."
"O Iter vai ser bem sucedido, eu tenho certeza total disso", diz ele.
Até o Iter estar funcionando em 2025, o chamado JET (Joint European Torus), no Reino Unido, continuará sendo o maior experimento com fusão nuclear existente.
O JET tem financiamento da União Europeia até 2020, mas o que vai acontecer depois disso não está claro. A participação do Reino Unido no Iter após a provável saída do país da União Europeia também ainda não foi acertada.
Mas o governo do país recentemente anunciou um investimento de 220 milhões de libras para o desenvolvimento de uma usina de fusão até 2040. Durante os próximos quatro anos, pesquisadores vão desenvolver projeto para uma usina de fusão chamada Tokamak Esférico para Produção de Energia, ou Step, na sigla em inglês (Tokamak é um tipo de reator experimental de fusão).
Como funciona um reator de fusão?
O método mais conhecido de fusão envolve o reator do tipo Tokamak, que tem uma câmara de vácuo em formato de donut. Nela, o hidrogênio é aquecido a 100 milhões de graus Celsius, e então se torna um plasma. Um campo magnético fortíssimo é usado para confinar o plasma para que ele não derreta o reator e encaminhá-lo para que a fusão ocorra.
No Reino Unido, pesquisadores desenvolveram um tipo diferente de Tokamak, que parece mais uma maçã do que um donut. Chamado de Tokamak esférico, ele tem a vantagem de ser mais compacto, potencialmente permitindo que usinas futuras sejam localizadas e áreas urbanizadas.
"Se você olha para algumas unidades, com as grandes máquinas que precisamos instalar, pode ver que a tarefa de encontrar um local para colocá-los por si só já é difícil", diz Nanna Heiberg, da Agência de Energia Atômica do Reino Unido.
"O ideal é colocá-las perto de onde a energia é usada. E se você conseguir criar reatores em espaços menores, você pode colocá-los mais próximos a usuários e criar mais deles pelo país."
Da onde vem a empolgação com a fusão?
Enquanto governos internacionais tentam fazer o Iter ir para a frente, alguns países também têm suas iniciativas nacionais. A China, a Índia, a Rússia e o Estados Unidos estão trabalhando no desenvolvimento de reatores comerciais.
Há décadas, os cientistas tentam replicar a reação que acontece no Sol
O Banco de Investimento da Europa também está colocando centenas de milhões de euros em um programa de produção de energia de fusão nuclear italiano que prevê operações a partir de 2050.
A marinha americana já registrou a patente de um "dispositivo de fusão de plasma por compressão", que usaria campos magnéticos para criar uma rotação acelerada e produzir energia para o funcionamento de navios e submarinos. A ideia é criar reatores pequenos o suficiente para que sejam portáteis. Há muitas dúvidas sobre a possibilidade de que isso seja possível na prática.
Fusão no setor privado
Talvez a maior expectativa venha do setor privado. São empresas menores, mais ágeis, e se desenvolvem cometendo erros e aprendendo com eles rapidamente.
Hoje, há dúzias delas no mundo todo, levantando fundos e avançando com abordagens diferentes das tradicionais.
A First Light, por exemplo, surgiu na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e envolve lançar um projétil em um alvo que contém átomos de hidrogênio. A onde de choque do impacto pressiona o combustível e produz o plasma.
A Commonwealth Fusion Systems (CFS) foi criada por ex-funcionários do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e conseguiu levantar mais de US$ 100 milhões. Seu objetivo é desenvolver um reator Tokamak com imãs supercondutores que permitiriam produzir um reator menor e mais barato.
A TAE Technologies, da Califórnia, conseguiu investimento de empresas como o Google e quer usar um tipo diferente de combustível: uma mistura de hidrogênio e boro, ambos elementos abundantes e não-radioativos. O protótipo deles é um reator cilíndrico que forma dois anéis de plasma que são unidos e mantidos juntos com raios de partículas não reagentes para que fiquem mais quentes e durem mais.
Uma bola de metal líquido
Uma das empresas mais competitivas é a empresa canadense General Fusion. Sua abordagem atraiu bastante atenção ao ser apoiada por bilionários como o criador da Amazon, Jeff Bezos.
A General Fusion nomeou o seu sistema de "magnetised target fusion", algo como "fusão magnetizada direcionada", em inglês.
O método funciona inserindo plasma quente injetado em uma bola de metal líquido dentro de uma esfera de aço. A mistura então é comprimida por gigantescas pistolas de pressão, mais ou menos como um motor a fissão.
"As pistolas disparam simultaneamente e colapsam a cavidade com o combustível dentro", diz Michael Delage, diretor de tecnologia da empresa.
"No pico da compressão, quando a reação acontece, ela está cercada por todos os lados por metal líquido, então a energia vai para o metal, que depois é usado para ferver água e produzir vapor, que por sua vez é usado para produzir energia elétrica.
A General Fusion diz que espera que seu protótipo esteja funcionando em cinco anos.
Porque ainda não conseguimos produzir energia por fusão?
Apesar das altas expectativas, ninguém até hoje conseguiu obter mais energia de um experimento de fusão do que gastou viabilizando-o.
Os cientistas têm confiança de que a ideia vai funcionar, mas acreditam que é uma questão de escala. Para fazer dar certo, você precisa que o experimento seja grande.
"A fusão precisa de recursos para realmente funcionar", diz Ian Chapman, da agência britânica de energia atômica. "O experimento pode ser feito por um país ou pela iniciativa privada, o que você precisa é da escala e dos recursos."
"Quando o Iter funcionar, e eu digo 'quando' e não 'se', vai ser um grande avanço para a fusão e você um investimento massivo no campo", afirma Chapman.
A energia renovável vai tornar a fusão irrelevante?
Em 2018, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) relatou que as emissões de CO² precisam ser reduzidas em 45% até 2030 para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5° C.
Para atingir esse objetivo é preciso que se faça uma rápida "descarbonização" do setor de produção de energia, ou seja, que a produção de energia não produza mais tanto CO² como subproduto. O Reino Unido se compremeteu a, até 2050, atingir "zero emissões líquidas" de carbono (quando a produção de carbono é balanceada com a retirada de carbono do ambiente), o que vai exigir o uso de energia solar e eólica em grande escala.
Algumas pessoas argumentam que isso deveria ser a prioridade do país, em vez de gastar grandes quantias de dinheiro em reatores experimentais de fusão.
"O custo de energias renováveis caiu, enquanto o custo do projeto de fusão internacional, o Iter, subiu", diz o físico britânico Chris Llewellyn Smit, que já foi presidente do conselho do Iter. "Agora parece bem improvavél que consigam completar o projeto sem novas ideias."
"Eu não acho que isso seja motivo para desistir da fusão, há maneiras de torná-la mais barata, mas não é algo que estará disponível para nós imediatamente quando precisarmos."
Outras pessoas na indústria, no entanto, têm uma visão diferente.
"Se você é um país como a Malásia, que tem um sistema energético altamente dependente de carbono, e você está tentando mudar sua matriz energética baseada em queima de carvão, não há muitas opções hoje em dia", diz Chris Mowry, presidente da empresa General Fusion.
"Este é o tipo de aplicação na qual focamos. E até países como o Canadá, que têm uma quantidade razoável de energia renovável, ainda não conseguem ser 100% renováveis."
"Então precisamos de uma fonte de energia livre de carbono para complementar as renováveis no futuro", afirma Mowry.
Em busca da inovação sempre pela prosperação do futuro
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